Porque, veja bem aonde cheguei com essa trilha de reflexão: se é tudo inventado, quem é que pode estar inventando? Oras.
Eu, você, todo mundo que a gente conhece, quem a gente não conhece, e mais todas as pessoas que vieram antes de nós e também as que ainda virão.
O modo com que a gente vive, as coisas de que gostamos ou desgostamos, o que achamos bonito ou feio, certo ou errado, e até mesmo grande parte dos nossos desejos e vontades – tudo isso é inventado ou é influenciado por conceitos e circunstâncias que nós inventamos e realizamos em algum momento. As coisas são assim porque nós somos e assim as fizemos.
Sim, você tem fome. Fome não costuma ser inventada. Mas o que você escolhe comer, como, quando e com que tempero? Invenção pura. Mesma coisa com o frio, que é real e concreto. Mas e a necessidade de ter aquela bota específica, que aquela moça do Instagram e aquela outra cantora usam por aí, pra acabar com o frio? Pois é, alguém inventou. A bota e a necessidade de tê-la.
E talvez não. Isso rende uma longa, e provavelmente inconclusiva, reflexão sobre como se dá a criação da cultura, o quanto as posses e o poder influenciam nela, o quanto a resistência ao que é imposto e os pequenos atos de oposição causam grandes mudanças e muito, muito mais.
Não tenho a ambição de tentar aprofundar essa reflexão específica aqui, mas é preciso ter tudo isso em mente pra pensarmos juntos. Nós inventamos e desinventamos o mundo a cada momento. Talvez essas mudanças aconteçam de forma lenta e cíclica, mas elas acontecem, sim. Afinal, se hoje questionamos o lugar de negros e mulheres na sociedade, se falamos de sustentabilidade e fake news, se compramos coisas pelo celular e postamos tudo isso no Instagram, é porque a nossa imaginação continua impactando a realidade, inventando e desinventando.
E, se parece possível mudar até o mundo lá fora, tão vasto e distante e no campo das ideias, o que será possível fazer com o nosso mundo interno, particular? Com a nossa realidade imediata?
O que quero é justamente falar desses pequenos atos e escolhas pessoais e de como eles impactam a vida quase sem que a gente perceba. Nós também temos um sistema individual de coisas inventadas, que podem ou não coincidir com O Grande Sistema, mas que de forma muito intensa interferem na nossa vida. Melhor dizendo, inventam e criam a nossa vida como ela é.
E sim, nós precisamos dessa orientação inicial para aprender a conviver uns com os outros sem bater no coleguinha ou causar um colapso na civilização humana (nem sempre funciona). Porém, grande parte das vezes, essas orientações se tornam limitantes. Será que é verdade mesmo esse tanto de “
Aqui no site, já falei algumas boas vezes sobre isso, como situações que nos causam sofrimento podem se beneficiar de uma mudança de perspectiva. Aliás, justamente por isso que escrevo – para compartilhar e aprender sobre invenções e jeitos de inventar.
E sim, a maioria dessas coisas que parecem tão pesadas e imutáveis são coisas em que podemos mexer, inventar de outro jeito. Seja a forma como você se enxerga, a forma com que lida com problemas, o que considera aceitável fazer, como se relaciona com o seu corpo, como escolhe cuidar da sua saúde, que olhar tem sobre o seu cotidiano, como encara a felicidade e muito mais.
Porém, por mais que o que eu digo esteja fazendo sentido aí e que realmente exista um incômodo, algo que você gostaria que fosse diferente, pode ser que falte uma pecinha. Faz sentido na cabeça, mas não “bate”, sabe? Você lê isso faz um sentido meio esvaziado, sem aplicação exatamente. Pode ser? Está sentindo isso aí?
Na verdade, pensei que poderia estar acontecendo porque me imaginei lendo esse texto. Ele me pareceria coerente e interessante até, mas aí eu fecharia a página e deixaria a ideia de lado. Porque não saberia o que fazer com ela.
E acredito que isso aconteceria porque não é possível aprender outro jeito de inventar apenas lendo textos. Quer dizer, esse compartilhamento de ideias é muito bom pra acender a criatividade, gerar questionamentos eexplorar outros pontos de vista, claro. Mas seu efeito não é duradouro.
Acho improvável que aconteça aqui aquele momento a-há, era isso que eu estava inventando errado! Nem tudo estará resolvido depois que acabar de ler.
Se esse texto despertou algo aí e se apareceu a vontade de inventar diferente, é possível que você sinta algum incômodo, pode ser que já exista angústia. Esse é o começo.
Mas antes de inventar diferente, vem o momento de tomar consciência das invenções que não estão dando certo, que você pode estar repetindo. Talvez elas estejam ultrapassadas, talvez elas tenham servido em algum momento, mas agora só atrapalham. Talvez você simplesmente não queira mais. Talvez elas não sejam nem suas, e você acreditou que eram. E, mais importante, talvez você nem saiba que elas estão aí.
Como?
Falando, se ouvindo, sentindo e expressando o que você tem feito e o que você deseja de diferente. O que só você sabe. E o que nem sabe que sabe. Ah, e aquilo que não sabe mesmo, mas que pode aprender. Assim, você alcança o seu poder de invenção.
E vidas inventadas de formas diferentes impactam a cultura – Inventores mais conscientes podem ser também mais competentes. Quem sabe, nós podemos ter aí um bom caminho de invenção coletiva.
Resta explorar.
E aí, como você tem inventado a sua vida?